MITOLOGIA - Conheça a história de um homem que não gostava de árvores, e o que lhe aconteceu...
A HISTÓRIA DE ERISICTON*
*(Erisicton significa, traduzido diretamente das raízes gregas,
“peixe revoltado, desobediente.”)
Adaptação de Abel Fernandes
Na antiga Grécia mitológica existia um rei chamado Erisicton. Era orgulhoso, desprezava os deuses, não levava incensos nem oferendas aos seus altares. Nessa época, os homens mais sábios e prudentes faziam isso periodicamente. Era antiético, antesocial e contraproducente não adorar os deuses. Um homem razoável, de boa índole, cumpridor dos seus deveres, fosse rei ou plebeu, tinha o seu deus predileto, pessoal, (ou vários) e fazia-lhe as abluções necessárias, os sacrifícios próprios, como acontece hoje com a maioria das pessoas, que têm seus santos favoritos e de vez em quando vão as igrejas rezarem por eles e acender-lhes velas. Quem não adora os santos, adora o Deus único, Cristo, Buda, Alá, ou Baco, (os alcoólatras) ou algum mestre ou guru da antiguidade. Era, repito, perigoso e imprudente, naqueles tempos remotos, e falta de tino, não adorar algum deus. E deuses é que não faltavam na Grécia antiga! Mas o rei Erisicton queria ser diferente, do contra. Aliás, no mundo sempre houve e haverá pessoas assim...
Diz uma lenda que certa vez esse rei resolveu desmatar um bosque consagrado a Ceres, a deusa da agricultura, da fartura, protetora das plantas comestíveis e das árvores em geral. (A palavra cereais vêm de Ceres) Nesse bosque havia plantas muito antigas e a que mais se destacava era um gigantesco carvalho centenário, cujo tronco era tão grosso que era preciso doze dríades (ninfas dos bosques e das árvores) de mãos dadas para abraçá-lo por inteiro. Em torno desse carvalho sagrado havia danças, festejos, e em seus galhos eram pendurados filetes de lãs, fitas de seda coloridas, coroas de flores, votos diversos dos devotos da deusa Ceres, e o povo venerava esse gigante do reino vegetal, mas o rei Erisicton nem se importava com isso... Talvez por ciúme, por capricho, ou por outro motivo qualquer desconhecido, resolveu derrubar esse carvalho! Por mais que se lhe aconselhassem a não cometer tamanho desatino, de nada adiantou. Deu ordem aos escravos para derrubá-lo. Os escravos ficaram temerosos, assustados, desejosos de não terem que cumprir essas ordens, mas o rei furioso agarrou o machado e partiu para cima do carvalho, para mostrar que não havia perigo algum em derrubar uma simples árvore... (era mesmo um ateu desmiolado!) E disse, bem alto para todos ouvirem: “--- Esta pode ser a única árvore que a deusa ama. Pode até ser a deusa própria, não importa. Sua copa de folhas, seus galhos, bolotas, seu cerne, devem ir para o chão hoje!” Assim dizendo, Erisicton cravou o machado em seu tronco energicamente. O tronco estremeceu e parecia gemer por causa do ferimento. As folhas e suas bolotas empalideceram, os longos ramos perderam a cor... E quando o machado de aço abriu um profundo corte no tronco, o sangue jorrou por ali! Como se fosse do pescoço de um touro sacrificado. Todos ficaram espantados, perplexos, estupefatos. Um dos súditos do rei tentou detê-lo, mas pagou com a própria vida sua devoção à árvore! O machado do rei foi direto em seu crânio, matando-o na hora. Depois, mais encolerizado ainda, voltou-se contra a árvore, golpeando-a violentamente. Até que, do interior do carvalho ouviu-se uma voz: “--- Senhor! Sou uma ninfa! Muito querida por Ceres, e moro aqui há muito tempo... Rogo-lhe, não corte este carvalho, que é minha morada!” O rei fingiu que nada ouviu, e lascou outra machadada no tronco. “---Faço agora minha última profecia, que servirá de conforto para mim. Rei Erisicton, será punido e cairá em desgraça brevemente!” Nem mesmo esse vaticínio fez o rei parar, e o carvalho, enfraquecido pelos golpes de machado, puxado por cordas e correntes de ferro, tombou, caindo estrondosamente por cima de dezenas de outras árvores do bosque, matando-as tristemente. E todas as irmãs da ninfa do carvalho ficaram confusas, desorientadas, com a perda de suas casas, e choraram. Vestiram-se de preto e foram até Ceres. “--- Castigue esse desalmado, esse cruel assassino de árvores, esse ímpio Erisicton!” Disseram em coro à deusa formosa, e esta fez sinal positivo com a cabeça. Diante desse gesto os campos com seus grãos amadurecidos tremeram... Pássaros, borboletas, mariposas e insetos voaram por todos os lados. Até as corujas da noite saíram em revoada louca. Ceres premeditou, então, um castigo terrível ao rei, já que ele não lhe tinha respeito pelas árvores. Ela o cortaria ao meio e o torturaria sem piedade com ajuda de sua irmã, Famine, a pálida deusa da fome. Porém, como Ceres e Famine nunca se encontravam, pois uma é o oposto da outra, Ceres é a fartura, a abundância de alimentos e Famine é a falta total deste, a fome insaciável, e deste modo Ceres mandou chamar uma das oréades (ninfas das montanhas), dizendo-lhe: “---Há um lugar na orla externa da gélida Seitia, um lugar sombrio e árido, totalmente sem árvores, onde não medram milhos, nem grãos, nem relvas, nem folhas verdes, mas o apático Frio ali vive junto com a Palidez e o Medo em companhia da descarnada e ossuda Famine. Diga-lhe que ela deve penetrar em Erisicton, ocultar-se em seu corpo e não permitir que uma das dádivas que trago, a Abundância, lhe dê a satisfação dos seu desejos, mesmo os mais inocentes. O caminho até lá é longo, portanto, use minha carruagem puxada por dragões alados que voam bem alto. Pegando das mãos de Ceres as rédeas, a oréade voou bem alto chegando rapidamente ao topo do Cáusaco. Depois de alguma procura encontrou Famine num campo cheio de pedras, com as unhas cravadas na grama escassa e seus dentes roendo as pedras esverdeadas de musgo... Segundo uma descrição ao pé da letra de Ovídio, seus cabelos eram desgrenhados, seu rosto horrivelmente pálido, seus olhos fundos e encovados, os lábios secos, descoloridos e o pescoço coberto de grossas escamas... A magreza era tanta, a pele tão esticada que deixavam seus ossos e órgãos internos à mostra. O osso ilíaco saltava-lhe no lombo e os magros e murchos seios frementes estavam seguros precariamente pela espinha fina como um graveto seco. Sua magreza era tão acentuada que fazia as juntas parecerem grossas, os joelhos como balões inflados, e os tornozelos pareciam dois canos encaroçados! Mantendo distância de tão medonha criatura, a mensageira de Ceres passou-lhe as orientações e tratou de sair dali o mais rápido possível, devido ao mau cheiro que exalava de Famine e seus roncos de fome. Voou rápido para o alto, sentindo-se instantaneamente aliviada... E rumou os dragões em direção a Tessália. Famine, cujos afazeres são diametralmente opostos aos de Ceres, obedeceu-a prontamente. Voou nas asas do vento da noite e chegou ao palácio de Erisicton encontrando-o dormindo profundamente. Envolveu-o rapidamente com seus esqueléticos braços, preencheu-o com o que ela era, soprou em sua boca um hálito mortal que entrou-lhe pela garganta e a fome insaciável foi plantada em suas veias e artérias... Após cumprido seu dever voou daquelas terras cobertas de farta vegetação em direção ao seu estéril lar, cheio de cavernas vazias e escuras... E o Sono, com suas asas leves e cinzentas, ainda flutuando sobre o rei Erisicton, ficou mais brando, e o rei sonhou com comida, suas mandíbulas fechavam-se em torno de nada, e ele cravava os dentes no vazio, e sua garganta só engolia ar... Acordou esfaimado, clamou ao mar e a terra para trazerem tudo o que pudessem oferecer-lhe, e logo pilhas e pilhas de comidas amontoaram-se em sua frente, e após devorar tudo ainda assim resmungava que estava morrendo de fome. O que havia ali era suficiente para alimentar um país inteiro, mas por mais que comesse, não deixando nada para ninguém, nem uma migalha, ainda assim sentia-se faminto e insaciado.
Quanto mais come, mais quer comer! Tão insaciável quanto o oceano, ou o fogo, ou um abismo. Mesmo comendo sem parar, parece apenas que ingeriu alguns aperitivos... Um fogo consome suas entranhas e queima sua garganta. Toda sua fortuna se vai rapidamente em gastos com comida. Ficou na total penúria, na mais negra miséria, restando-lhe apenas a filha. Tenta vendê-la, mas ela se recusa a ser escrava de um senhor. Ela reza por Netuno, o deus que já fora seu amante e implora para salvá-la. O deus do mar ouve suas preces e, para salvá-la, dá-lhe a aparência e as roupas de um pescador. O homem ao qual o pai a havia vendido, não a reconhece... pergunta-lhe se viu uma moça por ali, e a filha de Erisicton responde “---Não senhor, não vi nada, não tirei os olhos da água... Estava muito ocupado. Realmente, não havia nenhuma moça por aqui, nem ninguém, apenas eu...” O homem, intrigado, confuso, acredita nela, a agradece e ainda lhe deseja boa pescaria... Logo, com a ajuda de Netuno, volta a antiga aparência. E Erisicton, vendo que a filha tinha o poder de se transformar, vende-a de novo para outro homem, e depois, para vários proprietários, porque ela escapava de todos, ora como égua, ora como novilha, ou ainda como pássaro, pois tinha esse poder dado por Netuno, e assim sempre garantia comida para o pai. Até que chegou ao ponto de não haver mais nada para o rei comer, apenas sua própria carne. E ele, infeliz, devorou o próprio corpo! E desapareceu no nada! Esse foi o seu castigo por ter devastado o bosque e cortado o gigantesco carvalho consagrado a Ceres!
Esta lenda, sem dúvida alguma, é um aviso, uma advertência séria para o homem não devastar as matas da Terra! Caso contrário, atrairá a fome para si e para todos em seu redor!
Bibliografia:
Metamorfoses – Ovídio, trad. Vera Lucia Leitão Nagyar, ed. Madras
Dicionário Mítico-Etimológico Da Mitologia Grega – Juanito de Souza Brandão, ed. Vozes
Enciclopédia Clásica de Mitologia, Religión, Biografias, Literatura, Arte y Antiguidades -- versión castellana de José Goñi Urriza, Libreria El Ateneo Editorial Buenos Aires
A HISTÓRIA DE ERISICTON*
*(Erisicton significa, traduzido diretamente das raízes gregas,
“peixe revoltado, desobediente.”)
Adaptação de Abel Fernandes
Na antiga Grécia mitológica existia um rei chamado Erisicton. Era orgulhoso, desprezava os deuses, não levava incensos nem oferendas aos seus altares. Nessa época, os homens mais sábios e prudentes faziam isso periodicamente. Era antiético, antesocial e contraproducente não adorar os deuses. Um homem razoável, de boa índole, cumpridor dos seus deveres, fosse rei ou plebeu, tinha o seu deus predileto, pessoal, (ou vários) e fazia-lhe as abluções necessárias, os sacrifícios próprios, como acontece hoje com a maioria das pessoas, que têm seus santos favoritos e de vez em quando vão as igrejas rezarem por eles e acender-lhes velas. Quem não adora os santos, adora o Deus único, Cristo, Buda, Alá, ou Baco, (os alcoólatras) ou algum mestre ou guru da antiguidade. Era, repito, perigoso e imprudente, naqueles tempos remotos, e falta de tino, não adorar algum deus. E deuses é que não faltavam na Grécia antiga! Mas o rei Erisicton queria ser diferente, do contra. Aliás, no mundo sempre houve e haverá pessoas assim...
Diz uma lenda que certa vez esse rei resolveu desmatar um bosque consagrado a Ceres, a deusa da agricultura, da fartura, protetora das plantas comestíveis e das árvores em geral. (A palavra cereais vêm de Ceres) Nesse bosque havia plantas muito antigas e a que mais se destacava era um gigantesco carvalho centenário, cujo tronco era tão grosso que era preciso doze dríades (ninfas dos bosques e das árvores) de mãos dadas para abraçá-lo por inteiro. Em torno desse carvalho sagrado havia danças, festejos, e em seus galhos eram pendurados filetes de lãs, fitas de seda coloridas, coroas de flores, votos diversos dos devotos da deusa Ceres, e o povo venerava esse gigante do reino vegetal, mas o rei Erisicton nem se importava com isso... Talvez por ciúme, por capricho, ou por outro motivo qualquer desconhecido, resolveu derrubar esse carvalho! Por mais que se lhe aconselhassem a não cometer tamanho desatino, de nada adiantou. Deu ordem aos escravos para derrubá-lo. Os escravos ficaram temerosos, assustados, desejosos de não terem que cumprir essas ordens, mas o rei furioso agarrou o machado e partiu para cima do carvalho, para mostrar que não havia perigo algum em derrubar uma simples árvore... (era mesmo um ateu desmiolado!) E disse, bem alto para todos ouvirem: “--- Esta pode ser a única árvore que a deusa ama. Pode até ser a deusa própria, não importa. Sua copa de folhas, seus galhos, bolotas, seu cerne, devem ir para o chão hoje!” Assim dizendo, Erisicton cravou o machado em seu tronco energicamente. O tronco estremeceu e parecia gemer por causa do ferimento. As folhas e suas bolotas empalideceram, os longos ramos perderam a cor... E quando o machado de aço abriu um profundo corte no tronco, o sangue jorrou por ali! Como se fosse do pescoço de um touro sacrificado. Todos ficaram espantados, perplexos, estupefatos. Um dos súditos do rei tentou detê-lo, mas pagou com a própria vida sua devoção à árvore! O machado do rei foi direto em seu crânio, matando-o na hora. Depois, mais encolerizado ainda, voltou-se contra a árvore, golpeando-a violentamente. Até que, do interior do carvalho ouviu-se uma voz: “--- Senhor! Sou uma ninfa! Muito querida por Ceres, e moro aqui há muito tempo... Rogo-lhe, não corte este carvalho, que é minha morada!” O rei fingiu que nada ouviu, e lascou outra machadada no tronco. “---Faço agora minha última profecia, que servirá de conforto para mim. Rei Erisicton, será punido e cairá em desgraça brevemente!” Nem mesmo esse vaticínio fez o rei parar, e o carvalho, enfraquecido pelos golpes de machado, puxado por cordas e correntes de ferro, tombou, caindo estrondosamente por cima de dezenas de outras árvores do bosque, matando-as tristemente. E todas as irmãs da ninfa do carvalho ficaram confusas, desorientadas, com a perda de suas casas, e choraram. Vestiram-se de preto e foram até Ceres. “--- Castigue esse desalmado, esse cruel assassino de árvores, esse ímpio Erisicton!” Disseram em coro à deusa formosa, e esta fez sinal positivo com a cabeça. Diante desse gesto os campos com seus grãos amadurecidos tremeram... Pássaros, borboletas, mariposas e insetos voaram por todos os lados. Até as corujas da noite saíram em revoada louca. Ceres premeditou, então, um castigo terrível ao rei, já que ele não lhe tinha respeito pelas árvores. Ela o cortaria ao meio e o torturaria sem piedade com ajuda de sua irmã, Famine, a pálida deusa da fome. Porém, como Ceres e Famine nunca se encontravam, pois uma é o oposto da outra, Ceres é a fartura, a abundância de alimentos e Famine é a falta total deste, a fome insaciável, e deste modo Ceres mandou chamar uma das oréades (ninfas das montanhas), dizendo-lhe: “---Há um lugar na orla externa da gélida Seitia, um lugar sombrio e árido, totalmente sem árvores, onde não medram milhos, nem grãos, nem relvas, nem folhas verdes, mas o apático Frio ali vive junto com a Palidez e o Medo em companhia da descarnada e ossuda Famine. Diga-lhe que ela deve penetrar em Erisicton, ocultar-se em seu corpo e não permitir que uma das dádivas que trago, a Abundância, lhe dê a satisfação dos seu desejos, mesmo os mais inocentes. O caminho até lá é longo, portanto, use minha carruagem puxada por dragões alados que voam bem alto. Pegando das mãos de Ceres as rédeas, a oréade voou bem alto chegando rapidamente ao topo do Cáusaco. Depois de alguma procura encontrou Famine num campo cheio de pedras, com as unhas cravadas na grama escassa e seus dentes roendo as pedras esverdeadas de musgo... Segundo uma descrição ao pé da letra de Ovídio, seus cabelos eram desgrenhados, seu rosto horrivelmente pálido, seus olhos fundos e encovados, os lábios secos, descoloridos e o pescoço coberto de grossas escamas... A magreza era tanta, a pele tão esticada que deixavam seus ossos e órgãos internos à mostra. O osso ilíaco saltava-lhe no lombo e os magros e murchos seios frementes estavam seguros precariamente pela espinha fina como um graveto seco. Sua magreza era tão acentuada que fazia as juntas parecerem grossas, os joelhos como balões inflados, e os tornozelos pareciam dois canos encaroçados! Mantendo distância de tão medonha criatura, a mensageira de Ceres passou-lhe as orientações e tratou de sair dali o mais rápido possível, devido ao mau cheiro que exalava de Famine e seus roncos de fome. Voou rápido para o alto, sentindo-se instantaneamente aliviada... E rumou os dragões em direção a Tessália. Famine, cujos afazeres são diametralmente opostos aos de Ceres, obedeceu-a prontamente. Voou nas asas do vento da noite e chegou ao palácio de Erisicton encontrando-o dormindo profundamente. Envolveu-o rapidamente com seus esqueléticos braços, preencheu-o com o que ela era, soprou em sua boca um hálito mortal que entrou-lhe pela garganta e a fome insaciável foi plantada em suas veias e artérias... Após cumprido seu dever voou daquelas terras cobertas de farta vegetação em direção ao seu estéril lar, cheio de cavernas vazias e escuras... E o Sono, com suas asas leves e cinzentas, ainda flutuando sobre o rei Erisicton, ficou mais brando, e o rei sonhou com comida, suas mandíbulas fechavam-se em torno de nada, e ele cravava os dentes no vazio, e sua garganta só engolia ar... Acordou esfaimado, clamou ao mar e a terra para trazerem tudo o que pudessem oferecer-lhe, e logo pilhas e pilhas de comidas amontoaram-se em sua frente, e após devorar tudo ainda assim resmungava que estava morrendo de fome. O que havia ali era suficiente para alimentar um país inteiro, mas por mais que comesse, não deixando nada para ninguém, nem uma migalha, ainda assim sentia-se faminto e insaciado.
Quanto mais come, mais quer comer! Tão insaciável quanto o oceano, ou o fogo, ou um abismo. Mesmo comendo sem parar, parece apenas que ingeriu alguns aperitivos... Um fogo consome suas entranhas e queima sua garganta. Toda sua fortuna se vai rapidamente em gastos com comida. Ficou na total penúria, na mais negra miséria, restando-lhe apenas a filha. Tenta vendê-la, mas ela se recusa a ser escrava de um senhor. Ela reza por Netuno, o deus que já fora seu amante e implora para salvá-la. O deus do mar ouve suas preces e, para salvá-la, dá-lhe a aparência e as roupas de um pescador. O homem ao qual o pai a havia vendido, não a reconhece... pergunta-lhe se viu uma moça por ali, e a filha de Erisicton responde “---Não senhor, não vi nada, não tirei os olhos da água... Estava muito ocupado. Realmente, não havia nenhuma moça por aqui, nem ninguém, apenas eu...” O homem, intrigado, confuso, acredita nela, a agradece e ainda lhe deseja boa pescaria... Logo, com a ajuda de Netuno, volta a antiga aparência. E Erisicton, vendo que a filha tinha o poder de se transformar, vende-a de novo para outro homem, e depois, para vários proprietários, porque ela escapava de todos, ora como égua, ora como novilha, ou ainda como pássaro, pois tinha esse poder dado por Netuno, e assim sempre garantia comida para o pai. Até que chegou ao ponto de não haver mais nada para o rei comer, apenas sua própria carne. E ele, infeliz, devorou o próprio corpo! E desapareceu no nada! Esse foi o seu castigo por ter devastado o bosque e cortado o gigantesco carvalho consagrado a Ceres!
Esta lenda, sem dúvida alguma, é um aviso, uma advertência séria para o homem não devastar as matas da Terra! Caso contrário, atrairá a fome para si e para todos em seu redor!
Bibliografia:
Metamorfoses – Ovídio, trad. Vera Lucia Leitão Nagyar, ed. Madras
Dicionário Mítico-Etimológico Da Mitologia Grega – Juanito de Souza Brandão, ed. Vozes
Enciclopédia Clásica de Mitologia, Religión, Biografias, Literatura, Arte y Antiguidades -- versión castellana de José Goñi Urriza, Libreria El Ateneo Editorial Buenos Aires